quinta-feira, 27 de julho de 2017

‘Miniconto musical’ (Los Hermanos & Legião Urbana)




‘Miniconto musical’ (Los Hermanos & Legião Urbana)


O limpador de para-brisa e o ladrão de celular



            Ele fazia um péssimo uso de um clichê musical; ‘eu gosto é do estrago’, assim, vestido de má intenção, saiu para mais um roubo...

...

Amparado da boa música, poetizou, cantou alto em seu trabalho:prepara uma avenida que a gente vai passarrrrr...’, e saiu pra ganhar o pão de cada dia, aquele mesmo que ‘Brasília’, insiste em tentar tirar...

...

De um lado; um gatuno, ladrão de celular. Do outro; o honesto limpador de para-brisa.

- Bom dia, linda senhora, o seu carro é muito lindo, imagina, então, na hora em que eu terminar de deixar seu para-brisa brilhando e bem mais limpo?! – rimou, João, o limpador, já exercendo a sua função, e de volta ganhou mais algumas moedas.

- Boa tarde, meu senhor, com esse vidro limpo do jeito que estou deixando, você chega bem, onde quer chegar, ou, onde deva levar essa sua filhinha linda, que não para de me olhar, com um sorriso encantador, que, com certeza você deve amar... Rimou pela ‘milésima’ vez naquela quinta feira de sol escaldante.

- por prezar pela segurança dos meus, merece mais do que tenho a te dar, mas te dou de bom grado – respondeu o motorista.


Assim, o limpador garantiu o leite, o pão, o sorriso da esposa e dos filhos...


Partiu, cantando aos quatro cantos do cruzamento de importantes avenidas da capital paulista:

“e eu que já não quero mais

ser um vencedor,

levo a vida devagar

para não faltar amor,

olha você

e diz que não,

vive a esconder

um coraçãoooo...” 


A uns 5km do cruzamento onde João, o limpador de para-brisa estava, Jeremias, tinha a audácia de falar que estava trabalhando:

- Perdeu, perdeu, passa esse celular pra cá, já era!!!

- aí, perdeu, mané – apontava seu revólver calibre 38, a torto e a direito, ameaçando jovens reféns a céu aberto. Dessa forma o gatuno fez canção:

“Jeremias, maconheiro, sem vergonha,

organizou a rockonha e fez todo mundo dançar.

Desvirginava mocinhas inocentes

e dizia que era crente mas não sabia rezar...”


O ladrão de celular disparou em sua moto e, fugindo da polícia, não viu semáforos ou cruzamentos, somente, via, uma fuga ‘holiudiana’. Agora, a pouco menos de 2km de João, o bom limpador de para-brisa, que insistia em retribuir com gentileza aos que também lhe pagavam com cordialidade, e, brincando com duas senhoras em um carro que acabara de limpar, cantou, sorrindo;

“Quem te ver passar assim por mim,

não sabe o que é sofrer,

ter que ver você assim,

sempre tão linda,

contemplar o sol do teu olhar...” – as senhoras lhe sorriram de volta.


Já cansado do seu dia e sem se perceber, se viu dentro de uma canção:
“e santo cristo há muito não ia pra casa,

e a saudade começou a apertar,

eu vou embora, vou ver Maria Lúcia,

já está em tempo de a gente se casar...”


Mas, seu sorriso branco, sorriu ‘no lugar errado e na hora errada’, o ladrão de celular, em alta velocidade, fugindo, sem pudor e temor, acertou em cheio o sorriso de João, que, sem poder desviar, parou a moto em seu peito, voaram; moedas, notas, o ladrão, os celulares, o rodinho, o balde e João. Desfalecendo, o limpador pensou estar se justificando com sua amada:

- Veja você onde é que o barco foi desaguar

- A gente só queria um amor

- Deus parece às vezes se esquecer

- Ai, não fala isso por favor

Esse é so o começo do fim da nossa vida

Deixa chegar o sonho

Prepara uma avenida

Que a gente vai passar

- Veja você, quando é que tudo foi desabar

- A gente corre pra se esconder

E se amar se amar até o fim

Sem saber que o fim já vai chegar


Enquanto agonizava, o ladrão, em seu canto, sobre os olhares revoltos dos civis; civilizados e humanos – indignados com tantas e tantas injustiças – ‘ouviu’ alguém poetizar:

“Toda escolha é feita por quem 

acorda já deitado, 

toda folha elege um alguém 

que mora logo ao lado 

(é...) todo carnaval tem seu fim,

todo carnaval tem seu fim!!!”


E sobre o corpo, imóvel, do bondoso limpador de para-brisa, João, restou na boca de todos o ‘fátidico’poema, cantado, também, ao rítmo do rock:

“O povo declarava que João de Santo Cristo, 

era santo porque sabia morrer, 

e a alta burguesia da cidade

não acreditou na história que eles viram na TV  (...) 

ele queria era falar com o Presidente, 

pra ajudar toda essa gente, que só faz...

sofrerrrr”





Anderson Horizonte da Silva
26/07/2017

Nenhum comentário:

Postar um comentário