‘Miniconto musical’ (Los
Hermanos & Legião Urbana)
O limpador de para-brisa e o ladrão
de celular
Ele fazia um péssimo uso de um clichê
musical; ‘eu gosto é do estrago’, assim,
vestido de má intenção, saiu para mais um roubo...
...
Amparado da boa música, poetizou, cantou
alto em seu trabalho:‘prepara uma avenida que a gente vai
passarrrrr...’, e saiu pra ganhar o pão de cada dia, aquele
mesmo que ‘Brasília’, insiste em tentar tirar...
...
De um lado; um gatuno, ladrão de
celular. Do outro; o honesto limpador de para-brisa.
- Bom dia, linda senhora, o seu carro é muito lindo, imagina, então, na
hora em que eu terminar de deixar seu para-brisa brilhando e bem mais limpo?! –
rimou, João, o limpador, já exercendo a sua função, e de volta ganhou mais
algumas moedas.
- Boa tarde, meu senhor, com esse vidro limpo do jeito que estou
deixando, você chega bem, onde quer chegar, ou, onde deva levar essa sua
filhinha linda, que não para de me olhar, com um sorriso encantador, que, com
certeza você deve amar... Rimou pela ‘milésima’ vez naquela quinta feira de sol
escaldante.
- por prezar pela segurança dos meus, merece mais do que tenho a te dar,
mas te dou de bom grado – respondeu o motorista.
Assim, o limpador garantiu o leite, o
pão, o sorriso da esposa e dos filhos...
Partiu, cantando aos quatro cantos do
cruzamento de importantes avenidas da capital paulista:
“e eu que já
não quero mais
ser um vencedor,
levo a vida devagar
para não faltar amor,
olha
você
e diz que não,
vive a esconder
um coraçãoooo...”
A uns 5km do cruzamento onde João, o
limpador de para-brisa estava, Jeremias, tinha a audácia de falar que estava
trabalhando:
- Perdeu, perdeu, passa esse celular pra cá, já era!!!
- aí, perdeu, mané – apontava seu revólver calibre 38, a torto e a
direito, ameaçando jovens reféns a céu aberto. Dessa forma o gatuno fez canção:
“Jeremias,
maconheiro, sem vergonha,
organizou a rockonha e fez todo mundo dançar.
Desvirginava mocinhas inocentes
e dizia que era crente mas não sabia rezar...”
O ladrão de celular disparou em sua
moto e, fugindo da polícia, não viu semáforos ou cruzamentos, somente, via, uma
fuga ‘holiudiana’. Agora, a pouco menos de 2km de João, o bom limpador de
para-brisa, que insistia em retribuir com gentileza aos que também lhe pagavam
com cordialidade, e, brincando com duas senhoras em um carro que acabara de
limpar, cantou, sorrindo;
“Quem te
ver passar assim por mim,
não sabe o que é sofrer,
ter que ver você assim,
sempre tão linda,
contemplar o sol do teu olhar...” – as senhoras lhe sorriram de volta.
Já cansado do seu dia e sem se
perceber, se viu dentro de uma canção:
“e santo
cristo há muito não ia pra casa,
e a saudade começou a apertar,
eu vou embora,
vou ver Maria Lúcia,
já está em tempo de a gente se casar...”
Mas, seu sorriso branco, sorriu ‘no
lugar errado e na hora errada’, o ladrão de celular, em alta velocidade,
fugindo, sem pudor e temor, acertou em cheio o sorriso de João, que, sem poder
desviar, parou a moto em seu peito, voaram; moedas, notas, o ladrão, os
celulares, o rodinho, o balde e João. Desfalecendo, o limpador pensou estar se
justificando com sua amada:
- Veja você onde
é que o barco foi desaguar
- A gente só queria um amor
- Deus parece às vezes se esquecer
- Ai, não fala isso por favor
Esse é so o começo do fim da nossa vida
Deixa chegar o sonho
Prepara uma avenida
Que a gente vai passar
- Veja você, quando é que tudo foi desabar
- A gente corre pra se esconder
E se amar se amar até o fim
Sem saber que o fim já vai chegar
Enquanto agonizava, o ladrão, em seu
canto, sobre os olhares revoltos dos civis; civilizados e humanos – indignados
com tantas e tantas injustiças – ‘ouviu’ alguém poetizar:
“Toda escolha
é feita por quem
acorda já deitado,
toda folha elege um alguém
que mora logo ao
lado
(é...) todo carnaval tem seu fim,
todo carnaval tem seu fim!!!”
E sobre o corpo, imóvel, do bondoso
limpador de para-brisa, João, restou na boca de todos o ‘fátidico’poema,
cantado, também, ao rítmo do rock:
“O povo
declarava que João de Santo Cristo,
era santo porque sabia morrer,
e a alta
burguesia da cidade
não acreditou na história que eles viram na TV (...)
ele queria era falar com o Presidente,
pra ajudar toda essa gente, que só faz...
sofrerrrr”
Anderson
Horizonte da Silva
26/07/2017
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